Figura 1 - Microscopia óptica de oocistos de Cryptosporidium sp., alguns com espororozoítos, após coloração modificada de Ziehl-Neelsen. Fonte: HAWASH, 2014.
Figura 2 - Imunofluorescência de oocistos de Cryptosporidium sp. Fonte: CDC
Figura 3 - Microscopia eletrônica de varredura de oocisto de Cryptosporidium sp em biofilme após excistamento. Fonte: KOH et al., 2014
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Taxonomia
Cryptosporidium é um gênero de protozoários de grande relevância para a medicina humana e veterinária, causando gastroenterite em aves, répteis e mamíferos, inclusive no homem, sendo responsável por aproximadamente 60% dos surtos de doença veiculada pela água causadas por protozoários.
Os estudos moleculares comprovaram uma estreita relação de Cryptosporidium com as gregarinas resultando na alteração de classificação.
Estes protozoários segundo a mais recente classificação dos seres vivos pertencem ao:
Filo Miozoa
Subfilo Myzozoa
Infrafilo Apicomplexa
Superclasse Sporozoa
Classe Gregarinomorphea
Subclasse Cryptogregaria
Ordem Cryptogregarida cujo único gênero é o Cryptosporidium.
As espécies de Cryptosporidium apresentam várias características em comum com as gregarinas, sendo uma delas a capacidade de viver como um parasita epicelular facultativo. Isto significa que o Cryptosporidium pode realizar o seu ciclo na porção apical das células do revestimento intestinal do hospedeiro, dentro de um vacúolo membranoso, sem contato direto com o citoplasma, mas que também pode excistar e multiplicar no lúmen intestinal, em cultivos celulares, em meios livres de células (cultura axênica) e no ambiente fora do corpo do hospedeiro (ver detalhes nas Figuras 4 a 6 abaixo).
O gênero possui mais de 30 espécies reconhecidas das quais mais de uma dezena já foram relatadas em infecções humanas.
Ciclo de vida
O ciclo de vida do Cryptosporidium é bastante complexo, já que o mesmo possui um ciclo na porção apical das células do revestimento intestinal (ciclo epicelular) e outro ciclo livre no intestino ou no meio ambiente, inclusive na água.
O ciclo do Cryptosporidium no revestimento epitelial do hospedeiro.
A infecção tem início quando um indivíduo faz a ingestão, mais raramente a inalação, de oocistos do protozoário que foram liberados nas fezes de um indivíduo ou animal parasitado (Figura 4).
Figura 04 – Ciclo do Cryptosporidium no epitélio intestinal. Fonte: traduzido de BOUZID, HUNTER, CHALMERS e TYLER, 2013.
Na passagem pelo trato gastrointestinal, a parede dos oocistos é rompida liberando 4 esporozoítos infectantes (Figura 4a).
Estes aderem à membrana das células do revestimento intestinal e induzem a formação do vacúoloparasitóforo (a membrana da célula hospedeira reveste o parasito).
Nesta localização, os esporozoítos se convertem em trofozoítos ficando os mesmos na porção apical da célula, revestido por membrana, mas não dentro de seu citoplasma (Figura 4 b e 4c).
Os trofozoítos passam por merogonia (reprodução assexuada) gerando os merontes do tipo I com vários merozoítos.
Os merozoítos do tipo I são liberados e podem infectar novas células do revestimento intestinal, repetindo as etapas da reprodução assexuada, aumentando a produção de merozoítos do tipo I no indivíduo infectado.
Opcionalmente, os merozoítos podem se converter em merontes do tipo II que liberarão os merozoítos do tipo II, os quais iniciarão as etapas da reprodução sexuada do parasito.
Os merozoítos do tipo II se transformam em micro ou macrogamontes com micro e macrogametas em seu interior.
Um microgametócito fecunda um macrogametócitos gerando o zigoto. Este sofrerá meiose gerando 4 esporozoítos.
A maioria dos zigotos (80%) são convertidos em oocistos de paredes espessas que contêm 4 esporozoítos.
Apenas 20% dos zigotos se convertem em oocistos de paredes finas com quatro esporozoítos. Estes tendem a se romper e a liberar os 4 esporozoítos ainda no intestino do indivíduo parasitado contribuindo para sua autoinfecção e manutenção de uma infecção crônica.
Os oocistos podem excistar no lúmen intestinal ou mesmo no ambiente externo iniciando um ciclo de vida livre do hospedeiro ou podem ser liberados nas fezes contaminando o solo, a água, os alimentos e os objetos. Até pouco tempo não se conhecia este ciclo de vida livre deste parasito.
O ciclo de vida no lúmen intestinal ou no ambiente.
O parasito pode viver livre no lúmen do intestino, realizando inclusive a reprodução assexuada e sexuada, levando à amplificação de sua população no hospedeiro (Figura 5).
Figura 5 – Ciclo de vida de livre de Cryptosporidium. Fonte: CLODE, KOH e THOMPSON (2015).
Este ciclo começa quando os oocistos de parede espessa ou de parede delgada se rompem liberando os seus 4 esporozoítos.
Estes se transformam em trofozoítos que podem permanecer livres ou se unirem de dois em dois em um processo denominado sizígia.
Um vacúolo membranoso se forma em torno destes trofozoítos livres, sendo o mesmo equivalente ao vacúolo parasitóforo formado quando o Cryptosporidium se encontra epicelular no epitélio do intestino do hospedeiro. Em ambos os casos, forma-se uma borda pregueada e uma estrutura de nutrição denominada de epimerito (Figura 6).
Figura 6 – Comparação do vacúolo membranoso produzido no ambiente extracelular com o vacúolo parasitóforo formado na porção apical das células do revestimento intestinal. Fonte: CLODE, KOH e THOMPSON, 2015.
Ocorre a merogonia (reprodução assexuada) gerando os merontes do tipo I repletos de merozoítos do tipo I. Estes serão liberados e darão início à fase sexuada do ciclo.
Para tanto, os merozoítos do tipo I desenvolvem-se em merontes do tipo II contendo em seu interior os merozoítos do tipo II.
Estes darão origem aos microgamontes (masculino) e aos macrogamontes (feminino).
Os microgamontes tornam-se multinucleados e liberam os microgametas maduros que fertilizam os macrogametas dentro do macrogamonte feminino formando o zigoto.
Após a fertilização, o zigoto sofre duas divisões nucleares, fase denominada de esporogonia, originando o oocisto esporulado contendo quatro esporozoítos.
Encontram-se duas formas adicionais do parasito neste ciclo. Elas foram denominadas de formas semelhantes aos gamontes e de gamontes gigantes. São células multinucleadas e que parecem representar estratégias adicionais de amplificação da população do parasito no lúmen intestinal e já foram encontradas nas fezes.
Doenças em Humanos
A criptosporidiose pode ser assintomática, mas com a liberação fecal de oocistos que contribuem para a ocorrência de novos casos da doença.
A sintomatologia característica da criptosporidiose é uma diarreia aquosa que pode ser profusa (intensa) e prolongada.
Mais de 90% das infecções humanas são causadas pelo Cryptosporidium parvum e pelo Cryptosporidium hominis.
Outras espécies esporadicamente associadas às infecções humanas incluem meleagridis, C. cuniculus, C. felis e C. canis
A severidade e a duração dos sintomas dependem da espécie de Cryptosporidium infectante, da variante genética infectante e de fatores ligados ao hospedeiro como idade e estado imunológico.
A infecção é mais grave em pacientes HIV+ ou com outros tipos de imunocomprometimento.
Náuseas, vômitos e febre de baixa intensidade, assim como sintomas inespecíficos como mialgia (dor muscular), fraqueza, mal-estar, cefaleia (dor de cabeça) e anorexia (falta de apetite) são também relatados.
Este protozoário pode ser encontrado ao longo do trato gastrointestinal, havendo relatos de sua presença ao nível biliar e respiratório.
Lesões como colecistite, hepatite e pancreatite têm sido relacionados à criptosporidiose extra intestinal.
Prevenção
Evitar a ingestão de água contaminada com oocistos de Cryptosporidium. É difícil precisar que tipo de água está livre deste protozoário, já que os oocistos são liberados por várias espécies de animais e são muito resistentes ao tratamento da água com produtos clorados.
Evitar contato com humanos ou animais com sintomas característicos de criptosporidiose.
O contato com crianças menores de 6 anos é considerado um fator de risco para a infecção.
Presença em água para consumo humano
São os mais importantes protozoários veiculados por água de consumo humano e por água de recreação.
Podem causar surtos envolvendo centenas de usuários, com casos adicionais secundários.
Os oocistos podem estar presentes em números muito elevados em água de lagos, riachos, esgotos e rios, podendo ser encontrados isolados ou agrupados em amostras de água.
O parasito já foi encontrado em biofilmes no ambiente aquático, os quais podem liberar fragmentos ricos em oocistos ou em outras formas de vida livre do parasito. Este processo pode levar à recorrência de surtos de criptosporidiose em comunidades nas quais os sistemas de distribuição apresentem estes biofilmes.
A comprovação da capacidade do Cryptosporidium de excistar e de proliferar no ambiente externo exige uma mudança no enfoque da avaliação de risco da criptosporidiose, a qual deverá incluir a possibilidade de sobrevivência e de multiplicação do protozoário no sistema de distribuição.
Os oocistos são extremamente resistentes ao processo de cloração e devem ser removidos da água por coagulação, decantação e filtração, filtração em membranas ou inativados pelo uso da luz UV.
AGRADECIMENTO ESPECIAL : À professora Alessanda Louzada (UNIVERSO/JF) e ao professor Pedro Paulo Oliver (UFJF) pela revisão deste texto.