A capacidade do vírus da Zika de causar danos ao sistema reprodutor masculino resultando em redução do tamanho dos testículos, redução da produção de espermatozoides e diminuição nos níveis de testosterona foi comprovada esta semana em um estudo em camundongos machos.
Hoje já está comprovado que o vírus da Zika é capaz de gerar malformações em fetos durante a gestação e até mesmo em bebês de mães que tiveram a infecção durante o período gestacional e que nasceram aparentemente normais. Este tem sido o foco da maioria das pesquisas que tentam elucidar os mecanismos virais e as respostas imunológicas envolvidas no dano ao sistema nervoso para que, em um futuro próximo, possamos evitar os drásticos danos causados pelo vírus da Zika.
A transmissão sexual do vírus da Zika já foi comprovada há algum tempo, havendo estudos que demonstram a presença das partículas virais no sêmen por períodos de até seis meses. No estudo publicado esta semana na revista “Nature” os pesquisadores utilizaram as linhagens africana e asiática do vírus da Zika para infectarem camundongos machos. Somente a linhagem africana era adaptada a infectar estes animais. O vírus da dengue foi inoculado em um grupo de camundongos para comparação.
Para que você entenda claramente o que pode teoricamente ocorrer no organismo de um macho ao ser infectado pelo vírus da Zika vou ter que fingir que sou craque em histologia. Vamos revisar como ocorre a espermatogênese (a geração dos espermatozoides) no aparelho reprodutor masculino na espécie humana. Este processo ocorre nos túbulos seminíferos (figura abaixo), que são tubinhos celulares que se enovelam no interior dos testículos. Na parede destes túbulos é que se encontram as células do epitélio que irão se diferenciar em espermatozóides que serão liberados na lúmen (no interior) destes túbulos (veja o segundo desenho na mesma figura).
Se você pegar um tubo e cortar uma fatia você tem um anel, certo? É isto que está representado no segundo desenho da figura acima. Eu gosto de comparar amostras de túbulos com aquele bolo de buraco no meio que a gente faz ou come de vez em quando. Nada a ver? Tudo a ver. Se você pegar o bolo e cortar uma fatia, qual forma ela terá? Se você observar a figura abaixo verá que ela é muito semelhante ao que você acabou de imaginar. Da mesma forma que a fatia do bolo é a “parede” do bolo, esta é a parede de células que forma a lateral dos túbulos seminíferos. Não precisa se assustar. Explico tudo direitinho para você.
Vamos analisar a figura de baixo para cima. A porção rosa é rica em vasos sanguíneos e estes não estão em contato direto com as células epiteliais germinativas (em azul) ou com as células de Sertoli (em roxo) porque existe uma trama de fibras que forma a membrana basal na junção entre o epitélio e o conjuntivo. Na puberdade, as espermatogônias entram em divisão mitótica e algumas delas geram os espermatócitos primários que darão origem aos espermatócitos secundários e às espermátides que são células já com a metade do número de cromossomos. Agora, na fase final do processo, as espermátides se transformam em espermatozóides e são liberados no interior dos túbulos seminíferos. Esta fase é denominada de espermiogênese.
E para que servem as células de Sertoli? Elas se estendem desde a membrana basal até a porção interna do ducto e alojam as espermatogônias abaixo de suas junções e as demais células germinitivas acima das mesmas. Elas possuem várias funções importantes dando suporte e nutrientes para as células que formarão os espermatozóides, fagocitam restos de células mortas, secretam vários hormônios e suas junções impedem que as substâncias e células que circulam pelo sangue, inclusive as do sistema imunológico, cheguem até os espermatócitos e ao sêmen e é por isso que se diz que existe uma barreira hematotesticular. Cansei!
Agora que já revisamos estas informações, você irá entender melhor o que o vírus da Zika pode fazer no aparelho reprodutor masculino. No experimento que estou relatando hoje a evolução da infecção pelo vírus da Zika no sistema reprodutor dos animais ocorreu da seguinte forma:
Estes resultados geram várias indagações e preocupações com relação às infecções de indivíduos do sexo masculino da espécie humana pelo vírus da Zika. Em primeiro lugar, sabemos que 80% das infecções pelo vírus da Zika são assintomáticas e milhares de homens infectados por este vírus não estão cientes do fato. Caso o vírus atinja o sistema reprodutor masculino e provoque os danos relatados neste estudo, os homens infectados pelo vírus da Zika experimentariam uma queda da testosterona e de seu desejo sexual (gravíssimo!), assim como da sua capacidade de produção de espermatozóides. Além disso, poderiam levar anos para descobrirem que o vírus afetou sua fertilidade, pois isto só seria descoberto quando os mesmos percebessem que são incapazes de fertilizarem suas parceiras sexuais. Finalmente, temos que lembrar que as células que morreram estavam repletas de vírus e que as partículas do vírus da Zika poderão ser liberadas no interior ou juntamente com os espermatozóides contribuindo para a transmissão sexual deste vírus. Caso a fecundação ocorra, o vírus da Zika poderá infectar o feto e causar lesões graves, dentre elas a microcefalia.
Segundo um dos pesquisadores, este é o único vírus conhecido capaz de gerar sintomas ligados à infertilidade em machos. Esta comprovação feita em camundongos é preocupante, mas ainda não foi investigado se os mesmos efeitos ocorrem em homens quando são infectados pelo vírus da Zika.
A linhagem asiática do vírus da Zica tem circulado no Brasil desde 2015. Só nos resta torcer para que a mesma apresente um menor potencial de invasão das células que geram os espermatozoides (espermatogonias) e das células de Sertoli que cuidam de sua nutrição e desenvolvimento como observado neste estudo. Por enquanto, todo cuidado é pouco!
Fonte: http://www.nature.com/nature/journal/vaap/ncurrent/full/nature20556.html
Meu nome é Lucia Regina Cangussu da Silva, mineira quase baiana, bióloga, amante da vida, da família, dos amigos, da natureza e da ciência. Sempre adorei estudar e ensinar. Faço isso desde que me entendo por gente! Faço parte do grande grupo dos “nerds”! Já na graduação na UFMG me apaixonei pelo mundo microbiano logo na primeira aula com as Professoras Betinha e Patrícia. Foi realmente um amor à primeira vista e fico sempre me perguntando o motivo, já que os microrganismos nem sempre são tão bons, bonitos e gostosos como se esperaria! Talvez seja porque, como a maioria dos microrganismos, posso quase ser medida em micrômetros. Este mundo invisível sempre me fascinou e não canso de estudá-lo. Tornei-me o que o meu caro professor Humberto Carvalho condenava... estudante profissional! Lamento, Mestre!